sábado, 2 de julho de 2011

''encontro'' com Hugo Moura Vieira


Vilnius, 3 de Julho de 2011

O encontro com Hugo Moura Vieira não é um encontro é uma presença de alguém que, depois de um simples encontro, ficou. Onde? Ficou comigo, apoiando-me quase diariamente na minha escrita, contribuindo para a minha evolução, deixando a sua palavra nos momenros que às vezes me apetece desistir... Depois, todas as suas leituras, disponíveis também aqui, que nas noites mais complicadas, me fazem companhia... Este é realmente mais do que um ENCONTRO, culminado hoje e agora, com um texto lindíssimo escrito pelo Hugo, uma interpretação do poema ''sinfonia'' que aqui VOS deixo... TUDO...

Imaginem uma casa
Com mil portas
Afinadas
Abrindo
Fechando
Com mil pessoas passando
Todos os dias

Imaginem uma casa
Com mil portas
Não usadas
Completamente paradas
Não abrindo
Não fechado
Acumulando rangeres
Em dobradiças tolhidas
Retidas
Numa prisão de mil anos

Imaginem uma casa
Com mil portas
Perdida no doce afago do tempo
Invadida por mil crianças travessas
Em correrias
Em malfeitorias
Abrindo
Fechando
As mil portas
Que gemem
Usando maneiras diversas

Imaginem uma casa
Com mil portas
E uma imensa sinfonia



Desconstrução do poema "Sinfonia" de Nuno Guimarães



''Confesso-me um aficionado da escrita do poeta e amigo Nuno Guimarães. É uma escrita fluída, ainda que sofrida, na qual cada palavra parece ter sido pensada, repensada e pesada.

Nuno Guimarães é um escritor-artesão, um artesão-artista!, escrevendo com o recurso a uma balança que esconde na alma. É como se tivesse o receio de que uma palavra, ao ser mal escolhida, mal pesada, relegasse à mediocridade a excelência do seu sentimento e pensamento. Nuno Guimarães tem uma escrita plena de criatividade, originalidade, tendo a graça e a perícia da transmutação do metafísico em “peças-imagens” literárias cheias de sentimento, simplicidade (à primeira vista) e alma.
Não é um escritor que force uma imagem no leitor, antes pelo contrário: apresenta, sugere, semeia uma pequena ideia. O(A) leitor(a), por si, faz o resto… Por tudo isto, é impossível não nos rendermos aos seus dotes literários e o poema “Sinfonia” é uma prova disso (entre muitas outras).
Interpreto a “casa” deste poema como sendo um “livro”. Engraçado, não é? Reparem:
A “casa”, um livro;
As “mil portas”, as folhas/páginas;
As “mil pessoas”, os leitores;
As “mil crianças”, as palavras;
A “imensa sinfonia”, a própria história.
A princípio, esta casa (ou seja, este livro!), é lido e por ele passam “mil pessoas” (leitores), com as “portas” (as páginas) abrindo e fechando; mais à frente, as “mil pessoas” desaparecem, quedando-se o livro fechado, “acumulando rangeres” […] “numa prisão de mil anos” (o livro está fechado, as páginas não são viradas!).
O poema termina com o livro esquecido (já lido?), mas onde “mil crianças travessas” continuam “em correrias, em malfeitorias”: são as palavras que continuam lá, perpetuando a história (a tal “imensa sinfonia”), mesmo que o livro esteja fechado!
Enfim: uma soberba escrita paradoxalmente simples e complexa!
Hugo Moura Vieira''